Como estão as decisões judiciais após o rol da ANS ser considerado exemplificativo?
Por Victória Corbacho
Em julgamento realizado em 08/06/2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu ser taxativo, em regra, o rol de procedimentos regulados pela Agência Nacional de Saúde (ANS). Sendo assim, as operadoras de saúde não seriam obrigadas a cobrir tratamentos não previstos na lista.
Acontece que no dia 21/09/2022 houve a publicação da Lei 14.454 no Diário Oficial da União, que derrubou o chamado rol taxativo da ANS sobre a cobertura dos planos de saúde. Assim, as operadoras de saúde poderão ser obrigadas a oferecer cobertura de exames e tratamentos que não estão incluídos na lista de procedimentos, e por conseguinte encerrou-se a discussão sobre a suposta taxatividade do rol.
A lei mencionada determina que o rol de procedimentos servirá apenas como “referência básica” para a cobertura dos planos de saúde, e as operadoras estão obrigadas a fazer os tratamentos ou procedimentos que não estejam previstos no rol, desde que cumpra os requisitos: que contenha eficácia comprovada, à luz das ciências da saúde, baseadas em pesquisas científicas bem como em plano terapêutico; que seja recomendado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde – (“CONITEC”) ou que seja autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária; ou que seja recomendado por pelo menos um órgão de avaliação de tecnologias em saúde com renome internacional.
Apesar do STJ entender pela taxatividade do rol, essa tese foi derrubada pela supracitada lei, que foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo Presidente da República, onde obriga os planos de saúde a cobrirem tratamentos fora da lista da ANS, sendo restabelecido a milhares de pessoas o direito ao tratamento de doenças, que não teriam condições financeiras de arcar de forma particular.
Ora, o propósito principal do rol é exatamente garantir o acesso dos segurados aos tratamentos mínimos indispensáveis para restabelecimento e manutenção da sua saúde. Logo, não há que se falar em taxatividade ou ausência de cobertura de um procedimento que irá salvaguardar o beneficiário do plano de saúde. Além do mais, os contratos firmados com os planos de saúde são de adesão, ou seja, extremamente prejudiciais ao consumidor pois não permitem que o segurado altere cláusulas do contrato, fazendo com o que os planos de saúde detenham a autoridade sobre o contrato.
Portanto, o tratamento recomendado pelo médico deverá ser coberto pelos planos de saúde, uma vez que resta consolidado que o rol da ANS possui caráter exemplificativo. Em vista disso, as decisões judiciais têm levado em consideração que, uma vez prescrito pelo médico competente, os planos de saúde são obrigados a custear o tratamento indicado por este.
Deste modo, os planos de saúde não devem mais usar o rol da ANS como argumento para negar a cobertura de procedimentos, inclusive os de alto custo, tendo em vista o fim do embate acerca da taxatividade do rol da ANS.
Na prática, temos alguns exemplos de decisões judiciais que obrigam os planos de saúde a custear tratamentos que não constam na lista da ANS. Nesse sentido segue as seguintes ementas de julgados:
Desse modo, com esteio no art. 84, parágrafo 3º do CDC, sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, DEFIRO EM PARTE a tutela de urgência para determinar que a ré autorize e custeie com a realização do tratamento médico através de RPG, 3 sessões por semana, alcançando a devida cobertura com o custo de honorários médicos, equipe médica necessária, conforme relatório médico, em rede credenciada, no prazo de 5 dias, sob pena de multa diária de R$200,00(duzentos reais), em caso de descumprimento, até julgamento final da lide (art. 84, § 4º do CDC), ficando de logo advertida quanto a possibilidade de atuação administrativa da ANS, para aplicação de multa referida no art. 5º, parágrafo único, da Res. 319, de 05.03.2013. (Salvador, 1 de Novembro de 2022. JUIZA FABIANA ANDREA DE ALMEIDA OLIVEIRA PELLEGRINO, 2ª VSJE DO CONSUMIDOR. PROCESSO Nº: 0163110-94.2022.8.05.0001.
Assim, com esteio no art. 84, parágrafo 3º, do CDC, DEFIRO a tutela liminar para determinar que a acionada, BRADESCO SAUDE S A, AUTORIZE E CUSTEIE, integralmente, o procedimento de “cirurgia antiglaucomatosa” (CID-H401), a ser realizado na parte autora, RENATO RIBEIRO GONCALVES, nos moldes do relatório médico trazido pelo acionante aos autos, bem como honorários médicos, de anestesia, materiais cirúrgicos, medicamentos e demais procedimentos necessários, até seu pronto restabelecimento, no prazo de 2 (dois) dias, contados da intimação da presente decisão, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA no valor de R$ 300,00 (trezentos reais), em caso de descumprimento, até julgamento final da lide (art. 84, § 4º do CDC). (Salvador, 31 de Outubro de 2022. Bel. OSÉIAS COSTA DE SOUSA, 3ª VSJE DO CONSUMIDOR, Processo Nº: 0164347-66.2022.8.05.0001).
(…) Sem embargo, não é cabível a negativa de tratamento indicado pelo profissional médico como necessário à saúde e à cura de doença efetivamente coberta pelo contrato de plano de saúde. O fato de eventual tratamento médico não constar do rol de procedimentos da ANS não significa, por si só, que a sua prestação não possa ser exigida pelo segurado, pois, tratando-se de rol mínimo e meramente exemplificativo, a negativa de cobertura do procedimento médico cuja doença é prevista no contrato firmado, implicaria a adoção de interpretação menos favorável ao consumidor. Ademais, o rol de procedimentos e eventos em saúde previstos em resolução da Agência Nacional de Saúde representa uma cobertura mínima obrigatória aos planos privados de assistência à saúde, não servindo para respaldar exclusão de autorização de procedimento indispensável a tratamento essencial ao paciente, prescrito por balizados relatórios médicos. (…) Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES EM PARTE os pedidos formulados, convalidando a liminar exarada no evento 41, para: a) DETERMINAR A EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ, para levantamento do valor depositado conforme requerido pela parte, autora com finalidade de custear o procedimento médico requerido. b) CONDENAR, ainda, a acionada a PAGAR INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, a quantia de R$ 5.000,00 (CINCO MIL REAIS) corrigido monetariamente pelo INPC, desde a data desta sentença (Súmula 362 do STJ), além de juros de mora de 1% ao mês, desde a citação (art. 405, CC/02). (Salvador, 20/08/2021, BEL. MELISSA MAYORAL PEDROSO COELHO LUKINE MARTINS, 1ª VARA DO SISTEMA DOS JUIZADOS – CAMAÇARI, PROCESSO N.º: 0003991-17.2021.8.05.0039).
Assim, resta consolidado que o rol da ANS possui caráter exemplificativo e não taxativo, e que os tribunais vêm obrigando os planos de saúde a custear os tratamentos recomendados pelos médicos.