12/09/2022

Piso salarial e cooperativas de trabalho: um panorama da Enfermagem

Por Marina Basile  – Recentemente, foi aprovada a PEC da Enfermagem e com ela surgiram diversos questionamentos, especialmente no que toca à forma de contratação de enfermeiros, auxiliares de enfermagem e parteiras.  De acordo com o texto promulgado, a remuneração mínima de enfermeiros deverá ser fixada em R$ 4.750,00, 70% deste valor para técnicos e 50%, para auxiliares e parteiras. Os pisos salariais deverão ser aplicados por todos os setores até o início do próximo exercício financeiro.

Por óbvio, para as unidades hospitalares, esse piso gerará impacto financeiro enorme e, por isso, outras formas legais de contratação poderão ser adotadas, a exemplo das cooperativas de enfermagem.

Diante disso, importante fazer uma digressão sobre o que é uma cooperativa e seus desdobramentos, enfrentando o tema posto acima.

 

Cooperativa é uma associação autônoma de pessoas que se unem, voluntariamente, para satisfazer aspirações e necessidades econômicas, sociais e culturais comuns, por meio de uma empresa de propriedade comum e democraticamente gerida.

 

As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características: adesão voluntária, com número ilimitado de associados; variabilidade do capital social representado por quotas-partes; limitação do número de quotas-partes do capital para cada associado; singularidade de voto; quórum para o funcionamento e deliberação da Assembleia Geral baseado no número de associados e não no capital; retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembleia Geral.

 

Os sete princípios do Cooperativismo são as linhas orientadoras por meio das quais as Cooperativas levam os seus valores à prática. Foram aprovados e utilizados desde a época em que foi fundada a primeira Cooperativa do mundo, na Inglaterra, em 1844. São eles: 1º. Adesão voluntária e livre; 2º. Gestão democrática; 3º. Participação econômica dos membros; 4º. Autonomia e independência; 5º. Educação, Formação e informação; 6º. Intercooperação; 7º.  Interesse pela comunidade.

 

Ainda, a Lei n.º 12.690/2012 estabelece, nos seus artigos 4º e 5º que as cooperativas de trabalho podem ser de produção ou de serviço, sendo essas últimas constituídas por sócios para a prestação de serviços especializados a terceiros, sem a presença dos pressupostos da relação de emprego.

Por seu turno, há que observar ainda que a lei ainda é cristalina quanto a impossibilidade de utilizar a cooperativa de trabalho para intermediação de mão de obra. Ademais, a teor do art. 7º da Lei 12.609/2012, a Cooperativa de Trabalho deve garantir aos sócios os seguintes direitos, além de outros que a Assembleia Geral venha a instituir, dentre os quais ressaltamos dois:

I – retiradas não inferiores ao piso da categoria profissional e, na ausência deste, não inferiores ao salário mínimo, calculadas de forma proporcional às horas trabalhadas ou às atividades desenvolvidas;

II – duração do trabalho normal não superior a 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) horas semanais, exceto quando a atividade, por sua natureza, demandar a prestação de trabalho por meio de plantões ou escalas, facultada a compensação de horários;

Assim, resta evidente que, à primeira vista, cabe à cooperativa garantir aos seus cooperados os direitos previstos na legislação infraconstitucional, podendo, inclusive, buscar meios mediante provisionamento de recursos, com base em critérios que devem ser aprovados em Assembleia Geral.

Portanto, a teor do quanto previsto na Lei das cooperativas de trabalho, devem ser observadas as normas trabalhistas previstas na legislação em vigor e em atos normativos expedidos pelas autoridades competentes. É importante saber que a Cooperativa de Trabalho que intermediar mão de obra subordinada e os contratantes de seus serviços estarão sujeitos à multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) por trabalhador prejudicado, dobrada na reincidência, a ser revertida em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT. Ainda, prevê-se que a intermediação de mão de obra subordinada constitui a relação contratual estabelecida entre a empresa contratante e as Cooperativas de Trabalho que não cumprirem o disposto no § 6º do art. 7º desta Lei.

Por seu turno, o §6º do art. 7º da Lei 12.690/2012 estabelece o seguinte:

§ 6º As atividades identificadas com o objeto social da Cooperativa de Trabalho prevista no inciso II do caput do art. 4º desta Lei, quando prestadas fora do estabelecimento da cooperativa, deverão ser submetidas a uma coordenação com mandato nunca superior a 1 (um) ano ou ao prazo estipulado para a realização dessas atividades, eleita em reunião específica pelos sócios que se disponham a realizá-las, em que serão expostos os requisitos para sua consecução, os valores contratados e a retribuição pecuniária de cada sócio partícipe.

Assim, é importante que a cooperativa tenha, anualmente, um coordenador eleito em reunião assemblear que se incumba de levar aos demais cooperados, inclusive, valores negociados com hospitais e clínicas e a retribuição pecuniária de cada cooperado partícipe.

Nessa esteira, é importante ressaltar que a mencionada PEC, Lei n.º 14.434/22, estabelece que:

Art. 15-A. O piso salarial nacional dos Enfermeiros contratados sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, será de R$ 4.750,00 (quatro mil setecentos e cinquenta reais) mensais.      (Incluído pela Lei nº 14.434, de 2022)

Em que pese, portanto, o piso estabelecido seja para trabalhadores contratados pela CLT, não há como negar que a lei das cooperativas de trabalho tratou de esclarecer a impossibilidade de contratação de profissionais em valor menor do que o piso, conforme dito alhures.

A questão, todavia, posta à baila também deve compreender o fato de que o inciso IV do art. 7º da Constituição Federal, ainda que tenha garantido a irredutibilidade de salários (e aí está-se falando de trabalhador contratado pelo regime da CLT), o valor nominal pode ser menor do que o piso, desde que proporcional à jornada de trabalho do empregado. É o que determina, inclusive, a Orientação Jurisprudencial (OJ) nº 358 da SDI-I do Tribunal Superior do Trabalho (TST):

“358. SALÁRIO MÍNIMO E PISO SALARIAL PROPORCIONAL À JORNADA REDUZIDA. POSSIBILIDADE (DJ 14.03.2008). Havendo contratação para cumprimento de jornada reduzida, inferior à previsão constitucional de oito horas diárias ou quarenta e quatro semanais, é lícito o pagamento do piso salarial ou do salário mínimo proporcional ao tempo trabalhado”.

 

Desta maneira, há que considerar que a hora trabalhada do enfermeiro, ainda que no regime de plantão, deve ser aquela proporcional ao piso da categoria, ainda que seja o mesmo contratado via cooperativa. Para os demais profissionais, o valor sofre a redução prevista de acordo com a sua profissão, se auxiliar ou parteira.

A grande questão é quando a contratação da cooperativa for de forma legal, não existe vínculo empregatício e, por isso, não há obrigatoriedade de pagamento de verbas trabalhistas, a exemplo de 13º salário, férias, aviso prévio e FGTS.

A pergunta, então, que se impõe é: como contratar legalmente uma cooperativa de trabalho de enfermagem sem caracterizar fraude trabalhista?

O primeiro passo é estar atento aos requisitos configuradores de uma relação empregatícia, quais sejam: habitualidade, pessoalidade, subordinação e onerosidade. Para evitar, então, a pessoalidade e a subordinação, nada mais importante que aquele coordenador trazido à tona anteriormente como um requisito legal que deve ser estabelecido anualmente seja instituído dentro da cooperativa e seja cobrado dele, por exemplo, a escala de plantão e eventuais ausências. Da mesma maneira, é pela escala que se vê a habitualidade, que deve estar ao encargo dele.

Da onerosidade, nada mais certo do que pagar à cooperativa os valores negociados e a cooperativa fazer a gestão do seu dinheiro, inclusive prevendo as suas reservas, taxas de administração e etc. Essa é a maneira certa e legal de trabalhar com a cooperativa e evitar alegações de fraude.

Dessa maneira, importante estar atento ao fato de que essa cooperativa pode prestar serviços a vários hospitais e cabe a ela, cooperativa, a gestão da prestação dos serviços aos cooperados. Portanto, estar em consonância com a lei e com uma gestão eficiente será um diferencial para esse modal. Importante observar também que, dado o caráter de cooperativa de trabalho, não há como ser a mesma açambarcada por qualquer cooperativa de médicos que faturam por procedimento.

Também é relevante trazer à tona o fato de que o cidadão que seja empregado de uma unidade hospitalar não deve ser também cooperado de uma cooperativa que preste serviço a essa unidade. Isso porque, inevitavelmente, os vínculos passarão a ser confundidos na essência e aqueles requisitos configuradores da relação de emprego não deixarão de estar presentes quando o trabalhador estiver na unidade hospitalar prestando serviços pela cooperativa, por exemplo.

Para finalizar e apenas para que não pairem dúvidas sobre o atual cenário, é de bom alvitre esclarecer que entidades do setor da saúde ajuizaram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7222 no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a nova legislação, que determina o piso salarial da enfermagem, a qual teve seu pedido liminar deferido. Na ADI, o grupo aponta que pesquisa realizada junto a 85 hospitais privados em cinco regiões do país indica um aumento de custos na ordem de 88,4% com a aplicação dos novos valores correspondentes ao piso da enfermagem. Daí porque, diante do cenário apresentado, consideramos de extrema relevância pensar em modais diferentes para a contratação de enfermeiros, a exemplo das cooperativas de trabalho.

 

Por Marina Basile 


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