A Cannabis Medicinal e a sua atual regulação no país
Por Amanda Cerqueira
Depois de muitos anos de pesquisas, discussões e problemáticas a respeito das aplicações e efeitos da Cannabis para fins terapêuticos e medicinais, em 2020 foi desenvolvido o primeiro extrato de Canabidiol (CBD) no Brasil, que chegou às farmácias através da parceria entre universidades paulistas e a indústria farmacêutica nacional.
A época a Anvisa liberou a comercialização do produto fitoterápico sem indicação clínica pré-definida, o qual deveria ser receitado quando potencialmente benéfico ao paciente, e, conforme recomendação ainda vigente pelo Conselho Federal de Medicina, a Cannabis só deveria ser utilizada após esgotadas todas as alternativas convencionais de tratamento.
De lá para cá, a legalização desse produto para fins medicinais está se tornando cada vez mais uma realidade, já que diversos países já fazem produção e utilização do princípio ativo para uso adulto e controlado e empresas internacionais do ramo já vêm consolidando não só o comércio local como também a exportação. Atualmente, a Ásia vem liderando este mercado, com cerca de 40% das vendas globais, ficando atrás apenas da América do Norte (25%) e da Europa (média de 20%).
O manuseio da substância do Canabidiol é indicado para tratamento de doenças graves que afetam o sistema nervoso central, como epilepsia, esclerose, esquizofrenia, espasticidade e depressão.
É importante lembrar, no entanto, que sua venda e administração está sujeita a apresentação do receituário médico azul, tendo em vista sua classificação como substância controlada e sua autorização excepcional para comercialização no país, que se dá apenas para uso compassivo e tão somente quando não houver mais outra indicação de tratamento eficaz para o paciente.
Nesse sentido, e tendo em vista a eficácia da Cannabis com influência direta no prognóstico de crianças com epilepsia, por exemplo, com resultados clínicos positivos comprovados por estudos científicos, pôde ser verificado nos últimos anos o crescimento exponencial da conscientização e aceitação do seu uso e valorização dos seus benefícios aos pacientes, seja a curto, médio ou longo prazo, inclusive reconhecidos pela Organização Mundial da Saúde – OMS.
No Brasil, em que pese o cultivo da planta para fins medicinais seja proibido, valendo-se muitos pacientes de ações judiciais para autorização e plantio excepcional, a Anvisa já permite a produção e venda de produtos à base de CBD pela indústria farmacêutica, com a condição primária da importação da sua matéria prima.
A Resolução de Diretoria Colegiada da Anvisa – RDC 660/2022, inclusive, definiu critérios e regras para autorização pela referida Agência Reguladora para importação do produto derivado de Cannabis por pessoa física para uso compassivo, como a necessidade do relatório e prescrição médica, bem como a comprovação da produção e distribuição do produto por instituições regularizadas em seus países de origem.
No que se refere a legislação infraconstitucional, atualmente o Projeto de Lei nº 399/2015 prevê alteração do artigo 2º da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), para autorizar a comercialização no país de medicamentos à base de Cannabis mediante comprovação científica de sua eficácia medicinal e atestada com relatório médico, bem como para autorizar a utilização excepcional não apenas para fins medicinais como fins científicos, industriais e veterinários.
No entanto, o referido projeto caminha em passos lentos, especialmente em razão dos grupos conservadores do Congresso Nacional, ainda resistentes à utilização dos canabinóides para as finalidades aqui discutidas.
Enquanto não há definição legislativa de âmbito nacional sobre o tema, diversos estados e municípios saem à frente da bancada e intermediam o difícil acesso aos medicamentos à base de CBD para tratar doenças graves, principalmente para a população de baixa renda e dependente direta do SUS.
Em Salvador, e com o objetivo de democratizar o acesso aos referidos medicamentos, especialmente em razão do seu alto custo gerado pela importação da matéria prima (ainda imposta), recentemente foi sancionada a Lei Municipal nº 9.663/2023 proposta pelo vereador André Fraga (Partido Verde), que autoriza o fornecimento da cannabis medicinal para os pacientes do Sistema Único de Saúde, estando agora capital baiana entre os 4 únicos municípios brasileiros que possuem normas legais sobre o tema.
Segundo as disposições da lei recém aprovada, o paciente possui direito de receber pelo Poder Público sem qualquer custo os medicamentos nacionais ou importados à base da Cannabis terapêutica (com Canabidiol ou Tetrahidrocanabinol em sua composição) desde que seja autorizado através de decisão judicial ou que seja prescrito por médico com relatório devidamente fundamentado e através das unidades de saúde públicas do município.
Em que pese os avanços dos últimos anos, a exigência de diversos protocolos técnicos e regulatórios atrelados ao preconceito pela falta de conhecimento de parte da população sobre a eficácia cientificamente comprovada da utilização da planta Cannabis para fins medicinais (que não deve ser comparada com o uso recreativo) ainda dificultam e atrasam o acesso aos pacientes que de fato necessitam dessa terapia para a melhora da sua qualidade de vida.
Diversas relações ainda precisam ser construídas para essa discussão melhor se expandir. Desde o plantio fora do Brasil até o trâmite interno, regulatório e comercialização se faz necessário a consciência de todos os limites ainda impostos e as áreas envolvidas no tema, como também a luta por uma medicação eficiente para trazer bem-estar e efeitos positivos para aqueles que fazem corretamente o seu uso.