07/11/2022

A obrigatoriedade de cobertura da cirurgia de transgenitalização pelos planos de saúde

Por Lara Brito Bitencourt.

A cirurgia de redesignação sexual, conhecida como transgenitalização pode ser indicada para pessoas que acreditam pertencer ao sexo oposto ao qual nasceram. Isto é, o sexo psicológico é incompatível com o sexo morfológico.

Ocorre que, em que pese se tratar de direito fundamental com base no princípio da dignidade da pessoa humana, alguns planos de saúde evitam a concessão da autorização de cobertura da transgenitalização com a justificativa, sem fundamento, de que o procedimento cirúrgico se trata de cirurgia estética.

Entretanto, deve-se salientar que diferentemente de um procedimento estético, a cirurgia de redesignação de sexo é considerada um procedimento cirúrgico reparador.

1. Cirurgia estética X Cirurgia Reparadora:

O indivíduo que busca tratamentos e procedimentos estéticos tem o intuito de beneficiar a sua própria aparência e vaidade, corrigindo características que considera imperfeitas. Por outro lado, a cirurgia reparadora tem o viés de melhorar a saúde e o bem-estar do paciente ao reconstruir ou reparar “defeito” que interfira no seu cotidiano.

2. A transgenitalização enquanto cirurgia reparadora.

Diante do exposto acima, é notável que a cirurgia de redesignação de sexo se aplica ao contexto da cirurgia reparadora, vez que objetiva à adequação do sexo do paciente à sua identidade de gênero.

Deve salientar que as pessoas transexuais vivem uma constante luta contra seu próprio corpo, o qual desencadeia um enorme desconforto, insatisfação e imensurável infelicidade, o qual pode desencadear crises depressivas. Por esta razão que isto, somado ao preconceito no meio social, são as verdadeiras causas da enorme taxa de mortalidade de pessoas dessa comunidade no Brasil.

A realização do procedimento cirúrgico para redesignação do sexo da pessoa transexual é um direito fundamental da dignidade da pessoa humana e direito à preservação da saúde e vida do indivíduo, vez que está ligada a identidade e reconhecimento pessoal, bem como vinculada ao estado psíquico/mental.

Assim, levando em consideração que a transgenitalização é um dos procedimentos necessários para o bem-estar, conforto, felicidade e satisfação da pessoa transexual, o qual afeta a sua vida cotidiana, é imprescindível a obrigatoriedade da cobertura do procedimento cirúrgico pelos planos de saúde.

3. Os planos de saúde:

O rol de procedimentos da ANS (Agência Nacional de Saúde) tem caráter exemplificativo, ou seja, trata-se de um rol com procedimentos mínimos obrigatórios que estão indicados como exemplo e não de forma taxativa. Dessa forma, desde que determinado procedimento tenha indicação médica, não há razão alguma para o Plano de saúde negar cobertura.

Este entendimento ficou consolidado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em sua súmula 102: “havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS”.

Isto é, ainda que o procedimento não esteja previsto expressamente no rol de cobertura na resolução da Agência Nacional de Saúde, o plano de saúde deverá custear desde que haja indicação médica.

Desse modo, no que tange a transgenitalização, quando acompanhada de relatório médico, não assistirá razão o plano de saúde que negar cobertura.

4. Requisitos para a cirurgia de redesignação de sexo:

De acordo com a portaria GM/MS nº 2.803/2013, a pessoa transexual que pretende realizar o procedimento cirúrgico para remoção do seu órgão genital e a redesignação do sexo deve obedecer aos seguintes pré-requisitos: ser maior que 21 anos, não possuir características físicas ou problemas de saúde que comprometam a realização da cirurgia, ter acompanhamento de equipe multidisciplinar constituída por psiquiatras, endocrinologistas, psicólogos e assistentes sociais por mais de 2 anos, bem como apresentar relatório médico completo e detalhado com a indicação para o procedimento cirúrgico e, por fim, assinar o Termo de Consentimento livre e esclarecido.

Deve-se destacar que o termo de “consentimento livre e esclarecido consiste no ato de decisão, concordância e aprovação do paciente ou de seu representante, após a necessária informação e explicações, sob a responsabilidade do médico, a respeito dos procedimentos diagnósticos ou terapêuticos que lhe são indicados”, conforme descrito pela Recomendação CFM nº01/16.

Assim, tendo esses requisitos sido preenchidos não há empecilho algum para os planos de saúde negarem a realização do procedimento reparador.

5. Conclusão:

A pessoa transexual além de sofrer com as discriminações sociais, vive uma constante luta interna, vez que seu corpo não corresponde a sua identidade psicossocial. Dessa forma, a transgenitalização possibilita a melhora na qualidade de vida e saúde do transexual, se tornando, portanto, um direito fundamental ligado a identidade pessoal e dignidade da pessoa humana.

Entretanto, alguns planos de saúde insistem em negativar a realização do procedimento cirúrgico de redesignação de sexo, mas é evidente que se trata de uma recusa abusiva e ilegal. Isto porque, em que pese o rol da ANS não prever tal cirurgia, trata-se de um rol meramente exemplificativo. Dessa forma, para que o procedimento seja coberto basta apenas um relatório médico detalhado e completo.

Além disso, deve-se salientar que antes da realização da cirurgia o paciente deve trilhar uma caminhada de autodescobertas e tratamentos em que, a todo tempo, estará acompanhada de profissionais aptos a dar toda atenção necessária à saúde da pessoa transexual em prol do seu bem-estar.


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