12/06/2023

Cinema e Direito – O direito no filme

Arte e direito

É inegável o poder da arte na produção de novas sensibilidades jurídicas, onde direito e arte estão imbricados como produtos culturais, sociais e históricos, e atravessam o imaginário de uma sociedade.

Quando falamos nesta conexão entre direito e arte, mais especificamente arte cinematográfica, é natural que, em um primeiro momento, tenha-se uma ótica exclusivamente jurídica dos filmes, onde há um certo predomínio de temas criminais e de filmes de tribunais. No entanto, as temáticas exploradas no cinema contemplam praticamente todas as áreas do direito e vão muito além, isso porque é natural que os conflitos sociais e culturais sejam retratados nas narrativas fílmicas.

Por esta trilha abre-se uma infinidade de temas relevantes e uma multiplicidade de perspectivas a serem abordadas, tais como: questões como racismo estrutural, desigualdade social, violência contra mulheres e crianças, direitos fundamentais e a denúncia de abusos e precariedades no sistema prisional, entre tantos outros dilemas e mazelas que atingem constantemente a violação da dignidade humana. O cinema é muito mais do que uma representação estática da realidade, é a recriação profunda e absurda dos seus sentidos. Daí a importância da dimensão cinematográfica a partir da formação de valores, visão do mundo e conhecimento sob o viés da arte que faz pensar, refletir e provocar questionamentos (XAVIER, 2018)

Nesta seara, são muitas as referências, a exemplo, do filme “À procura da felicidade” (2006), história que retrata a luta diária de um homem negro a procura de trabalho, na luta pelo direito à família, ao sistema de saúde, à educação, direito a uma sociedade que não compactue com o racismo estrutural, que ainda hoje permeia nossas sociedades.

Já no cenário nacional, o filme/série “Sob pressão” (2017), mostra o trabalho e os dilemas de funcionários e médicos de um hospital público do Rio de Janeiro, assim como as agruras do dia a dia.

Porém, mais que a ideia de identificar uma categoria de filmes, o cinema lança um “olhar sensível” ao próprio direito, propiciando experiências enriquecedoras, como bem observa Martinez:

Os filmes, cuidem eles de assuntos explicitamente jurídicos ou não, retratam em toda a sua magnitude os dramas pessoais diante das inquietudes da vida, emulam sonhos, abrem as portas para o fantástico, são uma inesgotável fonte imaginativa que tocam diretamente o lado sensível das pessoas, despertando-as para a face poética do mundo. As narrativas em imagens criam com uma força sem igual um elo entre nós, espectadores, e as personagens, incitando-nos a um constante exercício de alteridade, a uma vivência de experiências alheias, as quais, não obstante, compartilhadas, em termos cronológicos, por aproximadamente duas horas, muitas vezes acabam por nos acompanhar ao longo de toda a vida (MARTINEZ, 2015: 72).

Assim, podemos, segundo Warat, considerar o cinema como um dispositivo gerador de sensibilidades, de conhecimento de novas realidades, que em tudo conduz a uma nova ética existencial. O cinema como um devir para compreender a alma humana, capaz de instituir diferentes modos de alteridade e novas sensibilidades que nos torne capazes de mediar conflitos inerentes a nossa própria natureza. (Warat, 2004b)

Conflitos e demandas de uma sociedade dinâmica e desigual, que precisa muitas vezes amparar-se no judiciário, onde a sensibilidade jurídica é extremamente necessária para mediação dessas querelas na busca pela justiça, a despeito da vocação normativista que lhe é inerente.

O direito à saúde na experiência fílmica

Não poderíamos deixar de abordar esse tema, tão especial, que é o direito à saúde, e para o qual buscamos a cada dia, compartilhar novos saberes e conquistas.

Nesse sentido, assistir a filmes há muito deixou de ser apenas lazer, para ser também uma experiência transformadora, isso porque o filme traz em suas narrativas um grande poder de sensibilizar e desenvolver a alteridade no espírito humano. Esse sentimento de alteridade permite ao espectador, em seu imaginário, uma troca de papéis, no qual durante o tempo da história, vive as dores e alegrias de seus protagonistas, que por sua vez, são produtos das próprias realidades sociais transportadas para as telas.

Sendo assim, as histórias inspiradas em fatos ou ficcionais trazem em seu bojo muitos elementos que se relacionam com o direito à saúde, tais como: a luta por determinado tratamento, pelo desenvolvimento e acesso a alguma nova medicação, e até mesmo conquistas coletivas em prol da saúde e do bem-estar.

Exemplo disso, percebe-se no filme “o homem que fazia chover” (1997) de Francis Ford Copolla, onde o direito a tratamento para Leucemia precisa ser buscado nos tribunais. Embora a história seja reflexo do sistema de saúde da cultura norte-americana, não deixa de refletir a luta de tantos brasileiros por direito a tratamento digno e em tempo hábil.

Esta sensibilidade propiciada pela arte fílmica, coloca o espectador na pele do outro, nos diversos personagens que estão em torno do tema saúde. Ele pode aguçar sua percepção em relação às realidades distintas, onde encontram-se em cena doentes, médicos, enfermeiros, familiares, legisladores, advogados e juízes, mostrando-lhe o que é familiar, mas também o que é desconhecido, estimulando novos conhecimentos e novas sensibilidades, quebrando paradigmas e preconceitos.

No filme ‘Nise- o coração da loucura’, é retratada a vida de Nise da Silveira, uma médica psiquiatra que vive nos anos 1950. Em síntese, a personagem busca revolucionar o tratamento aos pacientes que sofrem da esquizofrenia. Dessa maneira o fazendo de forma mais humana, diferente da realidade da época.

Outro filme/documentário bem interessante é “Muito além do peso (2012)”, trata da obesidade infantil, com relatos e entrevistas com pais, políticos, publicitários e representantes de escolas. A partir da obra, é possível fazer uma reflexão sobre a quantidade de alimentos não saudáveis ingeridos pelas crianças cada vez mais cedo, e as consequências para a saúde.

Portanto, independente do gênero, há muitos filmes e séries que constituem-se em um verdadeiro arsenal de possibilidades, cuja poesia e o senso crítico ficarão no imaginário e na criticidade de cada indivíduo como uma experiência pessoal e única e, ao mesmo tempo, coletiva; enfim, capaz de gerar novas sensibilidades para compreensão das mazelas humanas.

 

Referências:

DUARTE, Fernanda; BAPTISTA, Bárbara Gomes Lupetti. Sensibilidade Jurídica e Direitos Humanos: entre Conflitos locais e normas gerais. In: Congresso Nacional do CONPEDI, 23., 2014, João Pessoa. Anais… Florianópolis: CONPEDI, 2014.

MARTINEZ, Renato de Oliveira. Direito e Cinema no Brasil: perspectivas para um campo de estudo. Universidade Federal de Santa Cantarina, Florianópolis, 2015.

WARAT, Luis Alberto. Territórios Desconhecidos: a procura surrealista pelos lugares do abandono do sentido e da reconstrução da subjetividade. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004b.

XAVIER, Ismail. A Ordem do Olhar: a codificação do cinema clássico, as dimensões da nova imagem. In: ______ (Org.). A Experiência do Cinema: antologia. Rio de Janeiro: Edições Graal/Embrafilmes, 1993.

https://www.faculdadeide.edu.br/blog/7-filmes-nacionais-sobre-saude-para-voce-assistir-no-dia-do-cin…


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