O direito das pessoas idosas à saúde
O envelhecimento populacional já é uma realidade mundial, e continua em plena expansão em comparação a outros grupos etários. Portanto, um dos principais desafios da atualidade é garantir o acesso a saúde para as pessoas idosas. Essa é uma preocupação em todo o mundo, e, pode-se dizer, que especialmente em países onde as desigualdades econômicas colocam esse grupo em risco eminente, como é o caso do Brasil.
Isso porque, exatamente no momento da vida em que as pessoas idosas mais necessitam de cuidados em relação à saúde, é exatamente quando são negados tratamentos adequados a fim de lhes proporcionar melhores condições de vida. As crescentes dificuldades de proteção a esses direitos são sentidas tanto na saúde pública quanto na privada, seja por escassez ou por onerosidade.
Em que pese, a Carta Magna defina saúde como “direito de todos e dever do Estado” (art.196 da CF/1988), essa não é uma realidade para todos, pois a efetivação desses direitos vai de encontro a um sistema cada vez mais deficitário e sucateado, que atinge sobretudo aos menos favorecidos economicamente.
Além disso, a via privada de acesso a saúde, concedida de forma complementar pelo Estado, regulada pela Agencia Nacional de Saúde- ANS, mostra-se insensível em relação a esta faixa etária, impondo muitas vezes condições que inviabilizam financeiramente sua manutenção.
De modo que o próprio Estado, na maioria das vezes, não consegue reter os diversos abusos praticados pelo sistema de saúde público e privado, e muitas vezes o cidadão para salvaguardar seus direitos precisa se socorrer no Judiciário, ampliando o sofrimento para o idoso e seus familiares, em um quadro já debilitado pela doença.
Portanto, é preciso ter em conta primeiramente que o princípio norteador da Constituição Federal é a dignidade da pessoa humana, e não há dignidade sem a efetivação dos direitos fundamentais, entre os quais se encontra o direito fundamental de proteção a saúde.
Dessa forma, ainda que as disposições constitucionais visem garantir a dignidade das condições de vida da pessoa idosa, e tenham sido firmadas diretrizes no bojo do Estatuto do Idoso (lei 10741/2003), o qual contempla pessoas de sessenta anos ou mais, regulamentando diversas garantias, entre elas as relativas à saúde, a realidade é que muitos desses direitos não se concretizam na prática diária.
Vejamos que a lei em questão só entrou em vigor em janeiro de 2004, e de pronto estabeleceu-se uma controvérsia na qual questiona-se se ela pode ser aplicada aos contratos assinados antes de sua entrada em vigor, ou somente para os contratos assinados depois dela.
Segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor-IDEC há posições nos dois sentidos, onde a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), responsável pela regulação dos planos de saúde, opta pela aplicação do Estatuto somente para os contratos firmados após janeiro de 2004, e o IDEC defende sua aplicação independente da data.
Vale ressaltar, que independente do plano ser anterior ou posterior, a abusividade nos reajustes deve ser combatida, e esse combate encontra amparo no Código de defesa do Consumidor, bem como em todo arcabouço legal e jurisprudencial atual.
Mesmo diante de tantos reveses, destaca-se as importantes alterações feitas no Estatuto da pessoa idosa pela lei 14423/2022. A exemplo, transcreve-se abaixo o caput do artigo 15 desta lei, o qual trata especificamente do acesso a saúde, onde se contempla também uma pequena parte dos incisos IV e V do referido artigo, os quais abarcam o atendimento domiciliar para as pessoas idosas com dificuldade de locomoção e vedação a discriminação da pessoa idosa, vejamos:
Art. 15. É assegurada a atenção integral à saúde da pessoa idosa, por intermédio do Sistema Único de Saúde (SUS), garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente as pessoas idosas. (Redação dada pela Lei nº 14.423, de 2022
IV – atendimento domiciliar, incluindo a internação, para a população que dele necessitar e esteja impossibilitada de se locomover, inclusive para as pessoas idosas abrigadas e acolhidas por instituições públicas, filantrópicas ou sem fins lucrativos e eventualmente conveniadas com o poder público, nos meios urbano e rural; (Redação dada pela Lei nº 14.423, de 2022)
V – reabilitação orientada pela geriatria e gerontologia, para redução das sequelas decorrentes do agravo da saúde.
- 3º É vedada a discriminação da pessoa idosa nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade. (Redação dada pela Lei nº 14.423, de 2022).
Lógico que a lei é mais ampla, e há muitos outros aspectos a serem abordados, portanto vale a pena a leitura completa. O conhecimento da lei e dos direitos abarcados por ela são o primeiro passo para o real exercício da cidadania plena.
Por fim, vale considerar, que apesar da mentalidade utilitarista de nossa sociedade, a qual nem sempre valoriza seus idosos, seja necessário a defesa constante dos direitos conquistados e a luta para que se concretizem na prática. Para tanto, é importante o reconhecimento de que este grupo merece respeito, cuidados e direito à vida digna, para os qual é imprescindível a proteção aos direitos de acesso à saúde.
Referências:
Estatuto do idoso: lei federal nº 10.741, de 01 de outubro de 2003.Brasília, DF: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2004.Ministério da Justiça
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm
Direito dos Idosos nas Relações de Consumo. Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor-IDEC. Disponível em: https://idec.org.br/direitos-idosos acesso em 02.10.2023
Por Dra. Simone Vilk